Gente sem aldeia, aldeia sem gente

A Branda da Aveleira, convertida para turismo rural (totalmente vazia no dia da foto)




Há anos atrás, um anúncio num forum chamava interessados a participarem num encontro para a possibilidade de criação de uma "eco-aldeia" ao qual também fui por curiosidade, juntamente com um pequeno e heterogéneo grupo de completos estranhos. Consegui parte do que pretendia, que era conhecer pessoas com outras aptidões, mas não o meu segundo objectivo que era o de encontrar um espaço, porque pensava que a partilha podia torná-lo mais acessível. Mas infelizmente era uma reunião de desterrados.

O objectivo do grupo era o mesmo que atravessa um tipologia de comunidades intencionais que vai desde os falanstérios que se quiseram implementar no Novo Mundo, até às diversas formas de comunas dos anos 60 e que hoje evolui para formas mais ou menos tecnotópicas, menos políticas e por isso se calhar com um interesse mais alargado e por isso mais mediático. Rapidamente neste encontro se viu o choque entre as diferentes concepções do que seria a comunidade e também entre visões incrivelmente detalhadas ou incrivelmente genéricas, em diferentes graus de ingenuidade.

Tornada evidente a falta de acordo emergiu um único factor do qual não estava à espera: quase todos pretendiam um local isolado, preferencialmente totalmente desabitado.
Como fui apanhado de surpresa perguntei qual o motivo - se era por razões políticas, legais (brincadeira), por repouso ou associação a uma área de protecção especial ou outro factor. Pareceu-me pelas respostas difusas que o motivo era simples: queriam só um sítio onde começar do zero. Porquê não disseram mas penso que seria porque algum tipo de passado ou identificação com o existente seria interpretado com uma contaminação do que idealizavam, um incómodo para a tabula rasa que queriam fazer da sua vida.

Perto do final do encontro manifestei a minha opinião: porque é que anda tanta gente com boas intenções e alguma capacidade à procura do esforço enorme que é criar uma comunidade do zero quando existem tantas comunidades com excelentes condições à procura de pessoas?
Porque é que as aldeias que temos a definhar junto a vias de comunicação, com alguns equipamentos comunitários a funcionar, pessoas dispostas a ensinar e que funcionam com baixos recursos e produtos locais não são "eco-aldeias"?
Porque é que em vez de arrancar logo com 50 transplantados que se desconhecem para um ermo porque não gradualmente ocuparem algumas aldeias específicas e integrarem plenamente essas comunidades mais estáveis?

Passados alguns anos não acredito na regeneração total das nossas comunidades rurais, nem sei se será desejável (fica para outro texto o porquê) nem na viabilidade da localização remota (a não ser para turismo).
Mas não acho que sejam possíveis "tábuas rasas" ou isolamentos, por mais apelativos que pareçam.


8 comentários :: Gente sem aldeia, aldeia sem gente

  1. Muito interessante o seu ponto de vista.

    Anónimo

    15.6.13

  2. Obrigado, penso que muitas aldeias existentes já são bastante "eco" mas beneficiavam de sangue novo.

  3. Se calhar a gente não quer um "aborigine" a estragar o seu sonho de aldeia virgem e pura. Também é certo que a convivência entre diferentes ideologias normalmente é difícil

    Anónimo

    15.6.13

  4. Pelo menos este grupo que conheci não tinha uma opinião formada em relação a isto porque não equacionavam sequer mudarem-se e renovarem uma aldeia escolhida aos poucos (até para não "assustarem" os habitantes).
    Ou seja, é menos uma aversão a um passado do que procura de um início praticamente do zero.

    Pus na imagem a Aveleira porque discutiram-se algumas Brandas, precisamente por estarem vazias, apesar de estarem sempre associadas às Inverneiras contíguas.

  5. Não vou opinar sobre o texto, apesar de achar o ponto de vista incrivelmente interessante. Venho apenas parafrasear o José Carlos Malato (sim, esse): "Já fui muito feliz na Branda da Aveleira" :)

  6. E muitos parabéns pela felicidade, é um local lindíssimo e o local mais a Oeste onde alguma vez vi cervídeos em Portugal.

    Pus a imagem de uma Branda recuperada porque reabilitar uma das inúmeras que estão vazias era a expectativa de alguns dos novos "colonos"

  7. Passei por um processo similar, e dei a mesma ideia. Aliás até fiz ver, num pragmatismo seco, que em 10 anos muitas delas não teriam ninguém.. e nos entretantos os campos, o regadio, os melhores locais para cada cultivo e acção já eram conhecidos - era só perguntar e adaptar.

    As pessoas nas aldeias podem estranhar, mas com simpatia e cortesia, rapidamente deixam que os estranhos se entranhem. Habituaram-se a viver com todos, não dava para ignorar ninguém.

    Agora claro, todos crescemos com uma ideologia do paraíso pessoal.. eu também como ávido leitor nocturno de Thoreau durante todo a adolescência..

    Obrigado por este blog!

  8. Obrigado eu!

    Acho que com humildade e procurando assimilar o quotidiano facilmente nos integramos em qualquer lugar.
    De facto algumas comunidades rurais estão mesmo destinadas a desaparecer, algumas poderão ter o privilégio de se transformarem.
    Mas são mudanças que, sabendo ser feitas, não precisam de ser negativas para ninguém - isto dá-me alento para escrever um pouco mais sobre isto.

Enviar um comentário