Léxico [V]: Saltus, Hortus, Ager, Sylvae

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A parte mais interessante de ler a excelente História das Agriculturas do Mundo é compreender como vai evoluindo a interacção do homem com as paisagens cada vez mais humanizadas, no desejo constante de trabalhar com ela e com os processos biológicos dos organismos que a habitam- é impressionante a diversidade de estratégias adoptadas durante as várias eras e geografias.

O autor usa para descrever a agricultura dos climas temperados da Europa uma terminologia latina que não conhecia e que classifica de um modo simplificado a paisagem produtiva em 4 grupos complementares:

Diagrama na pág. 159 do História das Agriculturas do Mundo

Saltus- são as pastagens periféricas que constituem grande parte da envolvente ás quintas e que servem sobretudo para pasto. Tratam-se de solos que não podem ser plantados com culturas porque não são aptos para tal ou porque não se tem a capacidade de os cultivar. Têm um papel importante porque através da transumância  pode-se alimentar facilmente o gado e depois "importar" a sua fertilidade para os estábulos durante a noite, produzindo estrume que depois é concentrado nos Hortus. Ficam normalmente situados em terrenos em declive ou em altitude, com vegetação rasteira ou solos parcialmente erodidos e que necessitam de uma gestão cuidadosa para evitar colonização florestal por um lado e a erosão pelo outro.

Hortus- são as zonas mais férteis e mais próximas dos estábulos e habitações e englobam a vinha, o pomar e as hortas de vegetais, bem como os animais em cativeiro permanente. É o destino final da rama recolhida para forrar as cortes de gado, do composto produzido e outros desperdícios domésticos, que alimentam aves, coelhos e porcos ou são incorporados no solo. É a menor parcela mas também aquela com a produção mais intensiva, contínua e concentrada, e também mais artificial, exigindo cuidados diários.

Ager- É provavelmente a paisagem cujo maneio que sofreu mais mutações ao longo dos séculos, que consistiam sobretudo em diversas estratégias de rotação de culturas. Ocupa sobretudo vales, superfícies planas, zonas irrigadas e os solos mais férteis e microclimas mais favoráveis e sobretudo para a produção de cereais. Durante a maior parte da sua história os diversos esquemas de rotação incluem uma folha com ocupação herbácea, uma de pasto, um pousio (com mobilização do solo) e, finalmente, a cultura pretendida.

Silvus- trata-se da paisagem em que a intervenção humana é menor ou menos aparente, mas também a mais diversa, tendo diversas tipologias em que o factor dominante é a produção florestal, seja para alimentos, forragem ou obtenção de matérias-primas. O seu papel antigo (na Europa) e actual (na maior parte dos países em desenvolvimento) como fornecedor de biomassa enquanto principal fonte de energia e material de construção tornam a sua existência nas imediações da exploração uma necessidade. São Sylvae os Montados com sobreiro, azinheira e oliveiras em Portugal como também o são as florestas de carvalhos utilizadas para caça e recolha de mel da Europa Central. Por todo o lado eram aqui criados os porcos, dizendo-se que se tinha tantos destes animais quantos as devesas das quintas eram capazes de suportar.

Rembrandt "Paisagem com celeiro e rebanho de ovelhas"

Os diversos papéis destas paisagens que são também ricos ecossistemas de vida selvagem foram assim ligeiramente desviados para acolher o homem e a sua subsistência em permanência na natureza envolvente.
Desde a evolução técnica da Agricultura especialmente nos últimos 80 anos que têm vindo a ser simuladas as dávidas destas paisagens:

- Como os animais comem rações sempre estabulados e não pastam no Saltus este é colonizado por florestas jovens e homogéneas mais vulneráveis a fogos ou então entram em processo de erosão.
- Os Hortus não recebem dos animais o composto orgânico, cujos elementos são em vez disso oriundos da extracção mineral e/ou transformação química.
- O Ager está sobretudo dedicado à produção de ração e bio-combustível, de uma forma intensiva que não permite construir a estrutura do solo ou enriquecê-lo sem saturação ou poluição de linhas de água.
- O Silvus deixou de ser gerido como acolhimento para animais que depois se caçavam ou de árvores e arbustos que produziam alimento, para se orientar para monoculturas para produção de óleo ou papel.

Não só parece questionável a sobrevivência destas "substituições" no longo prazo, por ignorarem a dádiva da renovação constante que os processos biológicos permitem em favor de recursos finitos, como julgo que se perdeu um conhecimento profundo em relação à integração da actividade transformadora do homem na paisagem e na Natureza.

Waldenomania

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Conferência "Walden ou a vida nos bosques"

O Programa de Ambiente da Fundação Calouste Gulbenkian inicia, a 6 de Maio, o projecto "Porquê ler os clássicos?" com a conferência "Walden ou a vida nos bosques", no Auditório 3, em Lisboa.
O evento, que começa às 18h00, está apenas sujeito ao limite dos lugares disponíveis e não requer inscrições prévias.

Esta primeira conferência, de um ciclo que se estenderá até Dezembro, é dedicado ao livro de Henry David Thoreau (1854) e terá como orador Viriato Soromenho-Marques e como comentadora Isabel Capeloa Gil.

À mesma hora haverá uma actividade sobre o Walden para os filhos dos participantes dos 6 aos 12 anos de idade.

Hortas Comunitárias em Portugal [VII] : Hortas de Cascais

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Génese:
Várias freguesias do concelho de Cascais, em pequenos terrenos camarários junto a espaços verdes ou equipamentos já existentes

Área / Nº de participantes:
3 locais já implantados (1050m2, 53 talhões), mais 3 em construção. 150 pessoas em lista de espera

Objectivos:

Um projecto quase exclusivamente educativo e de lazer (pelas pequenas dimensões dos talhões), associado a boas práticas ambientais e alimentares. Interessante o incentivo formativo dado a quem queira converter e cultivar no seu próprio quintal.

Sítio da Internet:

Site Oficial, Reportagem Video

Notas: 

Apesar das pequenas dimensões este projecto tem um site oficial bastante completo, um bom conjunto de conteúdos educativos e mesmo um canal youtube. Objectivo futuro de ter um terreno comunitário por cada freguesia, numa abordagem descentralizada mais adequada à características do concelho.

Hortas Comunitárias em Portugal [VI] : Hortas da Resinorte

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Génese:
Riba d'Ave, Vila Nova de Famalicão, nas instalações da empresa Resinorte

Área / Nº de participantes:
Total de 700 m2, forma de divisão desconhecida

Objectivos:

Espaço dirigido para educação a complementar as visitas guiadas ao espaço ilustrando os benefícios da compostagem

Sítio da Internet:

Notícia Oficial, Site da Resinorte

Notas: 

Trata-se da mais recente (e mais pequena) implementação do modelo educativo da Lipor em torno da compostagem, mas aparentemente mais focado na comunidade escolar que visita a estação de tratamento. Poderá ser um modelo de integração de educação ambiental mais modesto para centrais de valorização orgânica de pequena dimensão ou que estejam longe de centros urbanos.

Estratégias Peri-Urbanas

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Há exactamente 2 anos participei pessoalmente numa das minhas primeiras iniciativas ambientais, num assunto que poucos dias antes desconhecia e para o qual fui alertado pela Campo Aberto e pela APVC.
Tratava-se de uma caminhada/protesto pelo Vale do Coronado, na Trofa, com o intuito de chamar a atenção para a destruição de uma das últimas grandes manchas férteis e contínuas localizadas dentro da AMP.

Uma área de 160 Ha de solo arável de classe A, integrado na RAN dos concelhos da Maia e Trofa está destinado à implementação de uma Plataforma Logística Estratégica cuja existência e necessidade não é discutida pelas associações envolvidas no protesto mas somente a sua localização.
Estranhamente um projecto inicialmente tão benéfico e lucrativo sofreu um adiamento em 2008.

Os motivos para esta escolha bizarra de implantação são óbvios: são comprados terrenos exclusivamente agrícolas a baixo preço (por comparação à zona industrial da Maia, uma localização muito mais favorável mas mais cara), que depois são transformados em solos urbanos/industriais após a angariação de "projecto estruturante para os concelhos e população".
Neste processo instantâneo de alteração de classificações do solo são feitas fortunas, porventura capazes de persuadir os intervenientes políticos a cooperarem com este desastre que de estratégico tem pouco.

Uma verdadeira visão estratégica levaria à protecção completa destes solos férteis periurbanos e na sua imediata devolução à produção agrícola de baixos de recursos, para a construção de uma reserva alimentar estratégica local.
É em locais como o Vale do Coronado que reside não só a prosperidade das cidades como a sua resiliência a choques económicos, sociais, ambientais, energéticos e do mercado agrícola internacional.

TV Rural [XI] : O Eng. Sousa Veloso recomenda uma "nova" cultura

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Na altura do TV Rural original, diz-se que o crédito da introdução da cultura comercial do Kiwi em Portugal pertence ao mítico Sousa Veloso.
Nesta altura de crise económica, o Engenheiro tem para nós uma nova recomendação.

Truísmos [IX]

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Eu: Ouvi dizer que se usavam cabras para reduzir o mato por causa dos fogos, o que é que elas não comem?

Pobreiro: Comem tudo, algumas coisas rentinho, outras não. O animal só não come Eucaliptos, Diospireiros e rama da Melancia.

Apontadores [IX] : O Pastor (Existir)

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Imagem @Carlos Goulão
Esta semana conheci um pobreiro

Guimarães cria protocolo de rebanhos de cabras para 13 Juntas
Controlar combustível enquanto se produzem alimentos, puro bom-senso

Portugal e Espanha gastam 48 milhões em 150 mil cabras para prevenir fogos na raia 
A mesma boa ideia, escala diferente. Algumas dúvidas quanto ao modelo de organização...
  
Guerra de papéis arruma com os pastores itinerantes no Alentejo 
Como a burocracia enterra actividades sem nenhum ganho nem razão. Porquê plantas 1.25000? 

A aldeia das 2500 cabras
Espectacular reportagem audio sobre o maior rebanho comunitário da Europa, a aldeia é esta.
  
City folk flock to remote Spain to become shepherds for the day
Uma remuneração mais invulgar para o pastor- um quotidiano de clausura leva ao fascínio pelo oposto 

Um pastor dorme de pé
João Direito guarda ovelhas e cabras há 70 anos, é o mais velho pastor da serra da Estrela ainda no activo.

Cabritos de regresso ao Caramulo
É assim que se transforma a carne mais sustentável que existe num produto de valor acrescentado




Album [VII]: Georg Braun

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"Prospectos de Cidades Europeias", por Georg Braun (1541-1622)
Esquecemos que a envolvente imediata das cidades era também a sua despensa, tendo sido quase todos os solos férteis e planos em seu redor eternamente cobertos e entubadas as suas linhas de água.

Estas ilustrações feitas por encomenda no século XVI mostram bem como em qualquer clima ou cultura é fulcral concentrar a construção no pontos estratégicos e inférteis e cuidar de uma envolvente ordenada e produtiva em seu torno que permita à cidade alimentar-se facilmente.

Não é por acaso que as cidades e os seus campos têm igual destaque nestas imagens orgulhosas.





As Florestas-Igreja da Etiópia

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As árvores sempre foram associadas a cultos religiosos em todo o mundo, incluindo na Europa pré-cristã, no culto Celta, celebrado sempre ao ar livre e em bosques (que serviam também de local funerário para muitas tribos), e cujos motivos vegetalistas sobrevivem nalguns ornamentos das nossas primeiras igrejas. Anteriormente, as civilizações helénicas, romanas e germânicas já incluíam as árvores nas suas cosmologias e cultos no quotidiano. Pura e simplesmente, as árvores tinham uma utilidade muito mais directa e reconhecida no quotidiano- eram uma fonte manancial de alimento, energia e materiais de todo o tipo.

O culto cristão absorveu as árvores de diversas formas. mais notavelmente no par ambivalente da Árvore da Vida e a Árvore do Conhecimento no Jardim de Éden.
É precisamente a tentativa de recrear este paraíso arbóreo que está na origem das espectaculares Igrejas-Floresta na comunidade cristã Copta da Etiópia, que são agora a única razão pela qual ainda existem florestas Afromontanas no país, por causa da gestão contínua dos responsáveis pelas igrejas face à pressão para desflorestação para uso da biomassa.

Involuntariamente, estas réplicas do Éden para celebração do culto ao ar livre acabaram mesmo por se tornar um refúgio idílico mas a prazo para um ecossistema criticamente ameaçado.

Não arranjes se não estiver estragado

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Existe uma anedota em que uma pessoa com dores de cabeça, tonturas, vómitos e dores de pés foi consultar vários especialistas, e constatava que o otorrinolaringologista dizia que tinha um problema nos ouvidos, o podologista suspeitava de uma infecção nos pés e que o neurologista afirmava tratar-se de uma lesão cerebral.

Exactamente da mesma forma, se se apresentar a um arquitecto o problema que se coloca em relação à produção agrícola próxima das cidades, aparecem soluções que se tratam, basicamente, de edifícios.
O resultado de algo que suspeito ter começado como um conceito deliberadamente utópico, de repente degenerou numa miríade de projectos delirantes um pouco por todo o mundo.

Para quem gosta de história é curioso ver uma réplica  tão perfeita da utopia iluminista do Ledoux, por vezes com os mesmos desenhos delirantes involuntariamente replicados 200 anos depois (ver abaixo).
Ledoux pretendia desenhar uma materialização da racionalidade da civilização, nós não nos satisfazemos com projectar o meio mais caro e ineficiente possível de  plantar alfaces- também queremos mesmo construí-lo.


















É difícil saber por onde começar ao criticar edifícios dedicados à agricultura portanto aí vão algumas razões:

- Um edifício custa várias centenas de euros por m2, e a diferença do seu valor imobiliário para o uso como habitação ou serviços pagaria milhares de hectares agrícolas do outro lado do mundo, para não falar das toneladas em materiais de construção. Existem culturas que justificam o investimento mas não são legais!

- Para ter produção animal nestas condições tem que se seguir a cartilha das piores condições possíveis em termos de densidade, isto se se ignorar os problemas de despejo de resíduos. Para haver produção vegetal tem que se recorrer à hidroponia, que consome enormes quantidades de inputs químicos e energia. De que vale produzir localmente se se tem quantidades enormes de materiais a entrar neste anti-ciclo?

- Nem sequer resolve os problemas alimentares ou territoriais porque mantém-se a dependência externa e estimula-se ainda mais a construção periurbana, a verdadeira quinta urbana.
















Isto quer dizer que não há lugar para infra-estrutura agrícola nas cidades?
Claro que não- como nos casos nipónicos acima as coberturas (aquilo é um batatal à esquerda) e varandas são um sítio tão bom como outro para plantar pequenas indulgências, como aromáticas ou morangos, e existem bastantes lotes "em espera" que podem e devem fazer companhia às emergentes hortas comunitárias.
Não podem é alimentar as cidades- essa função foi e poderá ser novamente cumprida substancialmente pela periferia.